Fonte:
O Estado de S. Paulo, Hélio Zylberstajn
No
mês passado, a construção das Usinas de Jirau e Santo Antônio, no Rio Madeira,
foi interrompida por uma greve geral no canteiro das obras. O conflito levou à
destruição pelo fogo de alojamentos, equipamentos e materiais. Para acalmar as
tensões e reduzir os impactos, dezenas de milhares de trabalhadores foram
retirados da área. As construtoras, o governo, as centrais sindicais e os
sindicatos locais estabeleceram linhas de comunicação direta para tentar
solucionar os problemas que originaram a situação e retomar os trabalhos.
Em
nosso país sempre houve abundância de mão de obra, mas essa situação se
inverteu nos anos recentes. O excesso de trabalho foi substituído por escassez,
inclusive do trabalho menos qualificado.
Numa
conjuntura assim, o poder de barganha dos trabalhadores aumenta, as greves se
tornam mais frequentes e os salários crescem. É muito provável que a pressão no
mercado de trabalho explique a greve. Entretanto, a escassez de mão de obra não
precisaria descambar para o conflito aberto e a violência dramática e
generalizada. A explicação para a intensidade do conflito deve estar
relacionada a fatores mais profundos e menos conjunturais.
Ao
tomar conhecimento das notícias do Rio Madeira, não pude deixar de me lembrar
de um texto antigo, que propunha o conceito de "massa isolada" para
explicar por que determinados grupos de trabalhadores tinham maior propensão à
greve (*).
A
"massa isolada" é caracterizada por isolamento geográfico (como os
trabalhadores do Madeira) e, principalmente, pelo isolamento social. São grupos
de trabalhadores que veem à sua volta massas de companheiros iguais a eles,
todos condenados a passar sua vida nos mesmos empregos de baixa qualidade, sem
esperanças de ascensão econômica e social. Essas percepções são agravadas
quando perdem a esperança de receberem das empresas em que trabalham um
tratamento menos distante e impessoal. A percepção de um destino comum pouco
esperançoso leva os grupos isolados ao conflito, o mecanismo à mão para tentar
solucionar seus problemas.
Os
autores do artigo contrapunham à "massa isolada" os trabalhadores
integrados na sociedade, com bons empregos, boas condições de trabalho,
tratados com justiça e igualdade pelas empresas e governantes. A sociedade
oferece a esse grupo um amplo repertório de mecanismos para encaminhar demandas
sem ter de recorrer ao conflito aberto e violento. A mensagem é clara: se uma
sociedade quer desenvolvimento econômico, não pode deixar de incluir aqueles
que o constroem. Deve pagar-lhes bons salários e oferecer-lhes boas condições
de trabalho. Mas, acima de tudo, deve oferecer-lhes canais abertos e
democráticos para expressar demandas e apresentar suas pautas, e isso tem de
começar no próprio local de trabalho.
O
Brasil negligenciou historicamente a importância estratégica da gestão das
relações de trabalho. Temos preferido deixar essas questões para o litígio na
Justiça, um recurso útil, depois do estrago feito. Quando o conflito chega ao
impasse, convoca-se a Justiça para resolvê-lo. Isso nós sabemos fazer e nisso
somos muito bons. Mas temos feito pouco para prevenir e administrar as
divergências entre trabalho e capital.
No
nosso modelo de relações de trabalho, há pouco espaço para a negociação prévia,
para o diálogo institucionalizado, para a gestão estratégica das divergências.
A ausência de mecanismos e de rotinas para a administração preventiva do
conflito trabalhista é ilustrada dramaticamente nos conflitos do Rio Madeira.
Mais uma vez, projetos importantes para o desenvolvimento do País enfatizam
aspectos técnicos e relegam aspectos trabalhistas. O resultado é custoso: uma
obra tão importante teve de ser interrompida por falta de instrumentos que, se
existissem, poderiam ter evitado o desastre. Pior: o governo e as construtoras
anunciaram que reduzirão o ritmo das obras porque não têm recursos
institucionais para administrar a dimensão trabalhista envolvida. Para chegar à
solução negociada houve necessidade, inclusive, da intervenção de auxiliares
diretos da presidente da República e do próprio ministro do Trabalho. Depois da
porta arrombada, foram convocados os mais altos escalões da República para
apaziguar os ânimos e encontrar soluções.
O
atraso institucional nas relações de trabalho custa caro ao País. Milhões de
pequenas reclamações são transformadas em processos na Justiça do Trabalho.
Para nós, parece natural que seja assim. Mas a verdade é que, na grande maioria
dos países, as reclamações individuais nem chegam aos tribunais porque são
tratadas e resolvidas por meio de canais apropriados nas próprias empresas,
diretamente entre as partes. Ao tratar e resolver os pequenos conflitos do dia
a dia, as empresas e os trabalhadores desses países evitam que as tensões se
acumulem e se transformem em grandes divergências. E, mesmo quando acontecem,
estas dificilmente se transformam em conflitos abertos, porque o diálogo
contínuo cria em geral um clima de confiança, uma ética e um ritual para tratar
civilizadamente as diferenças.
A
necessidade de intervenção do alto escalão da administração pública num
episódio que deveria ser rotineiro, se tivesse sido tratado com instrumentos
preventivos, indica que estamos desaparelhados e muito atrasados nesta área e,
portanto, precisamos empreender rapidamente uma trajetória de aperfeiçoamento
institucional.
No
próximo mês de agosto, São Paulo será sede de um importante evento, o 7.º
Congresso Regional das Américas de Relações de Trabalho e Emprego
(www.irca.com.br). O evento é promovido pela International Labor and Employment
Relations Association (Ilera), com sede em Genebra, Suíça, e organizado pela
Associação Instituto Brasileiro de Relações de Emprego e Trabalho (Ibret). Dele
participarão especialistas de todo o mundo que estarão debatendo as questões
trabalhistas atuais.
Será
uma ótima oportunidade para conhecer como alguns dos países participantes
conseguiram substituir suas massas isoladas por trabalhadores produtivos,
participantes e integrados na sociedade.
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