Em
junho de 2015, o Supremo Tribunal Federal (STF) promoveu uma audiência
pública para discutir o ensino religioso em escolas públicas. O debate foi
provocado por uma ação da Procuradoria-Geral da República (PGR), no qual o
órgão defende o ensino religioso sem objetivo doutrinário e sem caráter
confessional nestas escolas.
Mas
o que levantou essa questão? O acordo
diplomático assinado em 2008 entre Brasil e Vaticano prevendo o
ensino confessional. O texto é uma garantia jurídica para a Santa Sé e prevê “o
ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas” como disciplina
facultativa das escolas públicas de ensino fundamental.
Soma-se
a discussão desse acordo a apresentação de duas propostas no Congresso Nacional
que retiram autonomia dos colégios sobre o ensino religioso. Um torna a
disciplina obrigatória nas instituições públicas e o outro inclui o
criacionismo na grade curricular. Ambas são de autoria do deputado federal
Marco Feliciano (PSC-SP).
No
Brasil o ensino religioso é permitido tanto nas escolas particulares e
públicas. Nas primeiras, pode existir um pouco mais de liberdade por parte da
instituição, mas no caso da segunda, há regras a seguir.
De
acordo com a Constituição e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDB), o ensino religioso deve ser facultativo, precisa assegurar o respeito à
diversidade de credos e não tentar impor um dogma ou converter alguém. O artigo
33 da LDB ainda coloca nas mãos das escolas a definição o conteúdo a ser
ensinado e a escolha dos professores, o que antes era atribuição do
Estado.
A
grande questão é saber se o ensino religioso está de fato atendendo a essas
determinações. Ele é uma área de conhecimento, mas não tem parâmetros
curriculares definidos pelo MEC, por exemplo. Quem faz esse controle de
conteúdo? Como garantir que uma diretora ou um professor não priorize mais a
religião com a qual simpatizam na hora de ensinar? Como equilibrar? Como
garantir que o aluno que optar por não assistir a aula não seja
discriminado?
Devido
a essas lacunas, a ação levada ao STF pela PGR pede que o ensino religioso confessional
seja proibido nas escolas públicas de todo o país. O ensino confessional
defende os princípios e valores de uma religião específica e pode ser
ministrado por representantes dessa religião, como um padre, rabino ou pastor.
Já o ensino não confessional não é ligado a uma religião específica e atua na
perspectiva de que as religiões são um fenômeno histórico e cultural de uma
sociedade.
Um
dos argumentos de quem é contra a obrigatoriedade do ensino religioso é de que
a escola deve dar ferramentas para que o aluno construa seus valores éticos e
morais, bem como sua crença individual, e que esta não precisa ser lecionada em
instituições educacionais, e sim, religiosas. Para os que defendem a ideia,
inserir a religião no ensino ajudaria a formar “melhores cidadãos”, além de não
ferir a liberdade de culto e permitiria que aqueles que não têm uma vida
religiosa em casa possam conhecer e se interessar pela questão.
A
Procuradoria defende que a disciplina só deve ser oferecida se o conteúdo for
pluralista e possibilite que o estudante conheça todas as religiões e sua
dimensão histórica e filosófica, sem que o professor tome partido ou favoreça
qualquer crença, levando em conta o caráter laico do Brasil.
A
educação religiosa no Brasil começou pouco depois da chegada dos portugueses,
no século 16. Os pioneiros no país foram os jesuítas, que chegaram à colônia em
1549. Depois, no século 19, no Império, o Brasil era oficialmente um Estado
católico e grande parte da educação em geral era de inteira responsabilidade da
religião oficial do Estado (o catolicismo), que educava as novas gerações de
acordo com os dogmas e a moral católica.
Esse
tipo de ensino chegou a ser banido por um tempo, mas retornou e o tema aparece
em todas as Constituições brasileiras desde 1934. Foi uma conquista particular
da Igreja Católica, que sempre buscou reestabelecer a educação religiosa nas
escolas. Como herança, hoje, a maior parte das disciplinas religiosas em
colégios públicos é voltada para ensinamentos católicos ou cristãos.
A
questão ainda levanta muitas polêmicas e varia de acordo com o modo como cada
sociedade trata o tema religioso. O Brasil tem uma população de maioria
católica (64,6% de acordo como Censo do IBGE de 2010), mas as escolas públicas
apresentam uma diversidade de pessoas refletida também nos credos.
Nos
EUA, por exemplo, a educação religiosa não faz parte da grade curricular das
escolas públicas. Na França véus muçulmanos, solidéus judaicos e crucifixos
cristãos e qualquer outro símbolo religioso estão proibidos nas escolas e em
qualquer espaço público. Mas, até que ponto tirar a religião do contexto não
desestimula a convivência e tolerância a crenças diferentes? Proibir não
interfere no direito de expressão individual?
No
STF, a decisão sobre o ensino religioso deve ser votada ainda no segundo
semestre de 2015. Os ministros deverão levar em conta três questões: a
liberdade religiosa, o Estado laico e a previsão constitucional expressa de que
haja ensino religioso nas escolas públicas.
Independente
do resultado, mais importante do que falar de religião como área de
conhecimento talvez seja fazer com que a escola seja um espaço de tolerância e
convivência, onde os indivíduos possam expressar seus credos de forma livre,
dentro e fora da sala de aula.
BIBLIOGRAFIA
- Ensino Religioso no Ensino Fundamental,
de Lilian Blanck Oliveira, Luiz Alberto Sousa Alves, Sergio Rogerio
Azevedo Junqueira (Cortez Editora)
- Artigo Ensino religioso na escola
pública: o retorno de uma polêmica recorrente, de Carlos Roberto Jamil
Cury. (Revista Brasileira de Educação nº 27; 2004). Disponível online
Carolina
Cunha
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