Nem todo mundo sabe, mas está em elaboração
um projeto de lei que pretende regulamentar o uso da Internet no Brasil, O
Marco Civil da Internet. O projeto, lançado em 29 de outubro de 2009, é
uma parceria entre a Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da
Justiça (SAL/MJ), e Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getulio
Vargas (DIREITO RIO).
O projeto de lei tem logo de cara uma
inovação, a construção colaborativa, através da Internet, do chamado Marco
Regulatório Civil da Internet Brasileira. Nele você pode comentar os artigos do
projeto, dando sua opinião e participando de sua construção.
Muitos paises tem se preocupado em
regulamentar a Internet. Os provedores, empresas de telecomunicações e
prestadores de serviços tem usado a desregulamentação na Internet para
abusar dos consumidores. Nos Estados Unidos as empresas tem manipulado a
velocidade de acesso para inibir usuários que baixam muitos vídeos e músicas.
No Brasil as empresas de telecom, tem artificialmente mudado a prioridade e o
roteamento dos pacotes de Voip, como o Skype, para piorar a conexão e garantir
que o usuário use o celular ou o telefone convencional. O Google, tem usado e
vendido informações sobre o perfil de acesso dos usuários para fins de
publicidade.
Assim criar um marco regulatório parece
importante para defender a liberdade de expressão na Internet, o direito do
consumidor, e o direito a privacidade do cidadão. É neste sentido que o
documento avança, e tem contribuições importantes, defendendo o Internauta em
boa parte de seu texto, colocando regras claras para defender o consumidor, e
atribuindo a devida relevância à Internet na política pública.
O marco civil se preocupa em colocar com
clareza questões como a guarda das informações de conexão, fundamentais para as
investigações sobre cyberbullying, golpes e demais crimes cibernéticos. Ele
defende também o nosso direito a não ter as informações de acesso guardadas
pelos provedores a nossa revelia, e defende a liberdade de expressão e o
direito de privacidade.
O documento é muito feliz em ressaltar o
papel do estado como incentivador do uso da Internet, como agente de integração
do cidadão na rede, como guardião da liberdade de uso da Internet, e como
responsável maior em capacitar a população, em particular a de baixa renda, no
seu uso. O texto fala ainda na necessidade de criar uma política pública para
inserir a Internet no ensino regular, nas escolas de todos os níveis,
garantindo que ela faça parte do programa regular de todas as
disciplinas.
Outro mérito está no fato de se tratar da
primeira lei colaborativa, criada e discutida a partir da Internet, no formato
de blog, e com participação aberta a todos.
Mas o problema com marcos regulatórios que
afetam coisas tão sensíveis como a Internet, é que eles podem, a pretexto de
ações tão nobres , criar um monstro ainda pior : A Censura.
A censura na Internet brasileira
O marco civil da Internet se torna um problema
quando tenta legislar sobre a remoção de conteúdo na Seção IV. É verdade que algumas pessoas
estão sofrendo ao verem seus nomes, fotos e histórias, envolvidas em tramas
horrorosas, sendo difamadas por colegas de escola, ou ex-namorados ciumentos.
Para isso criaram a seção IV, que fala sobre como o ofendido e o provedor devem
agir. Nestes casos, removendo, sem a necessidade de um processo na justiça, o
conteúdo do maledicente.
O Marco Civil da Internet peca ao não
considerar todos os agentes da sociedade interessados em limitar o direito de
expressão dos blogs e mídias sociais. A seção IV do Marco Civil da Internet
fala de remoção de conteúdo, e tenta dar ao provedor, a responsabilidade e o
poder, de remover um conteúdo, pela simples notificação de um reclamante.
Para alguns pode parecer uma boa idéia, mas
isso permitiria que qualquer empresas, denunciada por um consumidor insatisfeito,
qualquer orgão público, denunciado por um cidadão por abuso de poder, ou
qualquer político, afetado por uma denúncia de corrupção, se coloque como parte
ofendida e force o provedor a retirar o conteúdo. Na prática isso é censura. Na
prática isso limita o meu e o seu direito de se expressar na Internet.
O Marco Civil da Internet, que começa como
um bom documento de defesa dos cidadão e de valorização da Internet, encontra
na seção IV uma forma artificial, equivocada e perigosa de, para defender o abuso
de uns poucos, dar poder demais aos provedores de acesso ou hospedagem, e
permitir que se remova um conteúdo sem julgamento e sem direito de defesa.
Dessa maneira, o ReclameAqui,
a maioria das empresas poderiam alegar que estão sendo ofendidas pelas
reclamações dos consumidores que lá escrevem, e o provedor de hospedagem
removeria todo o conteúdo do site.
A questão é que não se pode simplificar um
tema tão sério. Todos nós temos o direito a defesa e a um julgamento justo
antes de sermos afetados pela pena. E quem faz isso em uma sociedade
democrática é o poder judiciário. Isso é básico para a liberdade. Você pode até
se perguntar : Mas isso não demora muito? Não. Existem ações liminares e
cautelares que permitem que uma real ofensa a alguém seja retirada na justiça.
Além disso, quem fez a ofensa vai pagar caro, muito caro, na justiça. Mas só
depois de se defender e ser condenado. Impedir o judiciário de agir, e entregar
este poder a uma empresa privada, só porque ela hospeda o Twitter, o Orkut ou
meu Blog, é recriar a censura, ou melhor, censurar a Internet.
A seção IV coloca o provedor como o
responsável pela ofensa, caso ele não atenda ao ofendido. Isso na prática faz
com que o provedor sempre seja compelido a agir tirando o conteúdo. Uma festa
da censura. Se ele não retira o conteúdo, e o ofendido estiver certo, ele é
responsável e paga solidariamente com o dono do conteúdo supostamente ofensivo.
Agora, se ele retira o conteúdo, e depois de muita briga e tempo, se mostra que
o conteúdo não era de fato mentiroso, ou ofensivo, nada acontece. Ninguém tem
que indenizar o dono do conteúdo, atingido pela censura prévia. Assim fica
óbvio que ele sempre agirá removendo e bloqueando qualquer conteúdo denunciado.
Sem pensar duas vezes. As empresas que não atendem bem o consumidor, os
funcionários públicos que abusam do cidadão, e os políticos corruptos, agradecem
a brilhante ideia, e vão usar constantemente este mecanismo para pressionar a
todos que quiserem escrever algo contra eles.
Este é o problema. Uma seção mal escrita
que compromete todo o documento, e criar uma contradição típica dos ditadores :
Para defender a liberdade vamos limitá-la.
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